Crianças e seus direitos no ambiente digital
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A tecnologia deve proteger os direitos das crianças de forma intrínseca e planejada. É o que diz um adendo à Convenção sobre os Direitos da Criança que trata dos impactos e desafios do ambiente digital.
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1989. É o instrumento sobre direitos humanos mais ratificado na história, tendo sido adotado por 196 países como norteador de políticas públicas para a infância. Esse documento estabelece as condições básicas em que uma criança pode florescer e se desenvolver plenamente, com segurança e acesso a oportunidades. 1989 é também o ano da invenção da internet. Desde então, as tecnologias digitais transformaram profundamente a forma como nos relacionamos, produzimos, acessamos informações e serviços, com enormes consequências também para a infância e a juventude.
É inquestionável o fato de que a desigualdade de acesso às tecnologias de informação e comunicação interfere criticamente nos direitos básicos de educação, informação e participação. Diversos países já consideram em sua legislação que o acesso ao mundo digital é uma questão de equidade e inclusão, e portanto deve ser um direito básico de qualquer cidadão. No Brasil, por exemplo, o Senado Federal acaba de aprovar a PEC 47/2021, de autoria da senadora Simone Tebet (MDB/MS) que coloca a inclusão digital como um direito fundamental previsto na Constituição.
Se a pandemia acelerou e ampliou a adoção de tecnologias para muitas crianças, excluiu muitas outras e evidenciou a necessidade de políticas mais afirmativas de inclusão digital, nossa dependência do mundo digital antecede a crise sanitária e continuará crescendo. Em um mundo mediado por tecnologia, porém, é preciso considerar que nossos direitos são impactados por muito mais do que a mera possibilidade de acesso. A capacidade de acessar e produzir informações de forma crítica, ética e segura depende não só da disponibilidade de redes e equipamentos, mas sobretudo da construção de habilidades digitais e midiáticas que permitem fazer um uso construtivo e fortalecedor desse ambiente.
Além disso, o design e a forma de funcionamento das tecnologias que utilizamos em nosso dia a dia, mesmo que não diretamente, também têm impacto em nossas vidas — afetando não só o nosso acesso a informações e serviços, mas também nosso bem-estar, privacidade, segurança e direito de fazer escolhas livres. O desconhecimento ou mau uso dessas tecnologias pode levar a uma violação de direitos. Considere, por exemplo, o impacto de inteligências artificiais que determinam o acesso a benefícios ou serviços sociais, ou ainda o design de plataformas que pode favorecer o engajamento com informações descontextualizadas ou manipuladoras.
É nesse contexto que a ONU publicou, no ano passado, o Comentário geral №25 (2021) sobre os direitos da criança em relação ao ambiente digital. O documento é fruto do esforço colaborativo de 40 estados nacionais, centenas de organizações para a infância e direitos civis e mais de 700 crianças em 28 países. Fundamentado em publicações anteriores sobre o impacto das tecnologias digitais na sociedade, o documento estabelece diretrizes para políticas públicas “à luz das oportunidades, riscos e desafios na promoção, respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos da criança no ambiente digital.”
Esse trabalho traz um grande avanço em relação a muitos esforços e políticas das últimas décadas, cujo foco principal eram os danos ou violências que as crianças podem sofrer quando expostas aos ambientes virtuais — e que portanto tinham enfoque restritivo ou punitivo. Ao reconhecer o direito das crianças e jovens à liberdade de expressão, à autonomia sobre seu desenvolvimento e à participação na sociedade, o documento oferece caminhos para realizar o enorme potencial positivo da tecnologia digital, desde que incorporada ao seu design, de forma proativa e intencional, a promoção desses direitos.
Os principais pontos do trabalho foram reunidos pela fundação inglesa 5Rights Foundation neste cartaz disponível para escolas. Se o letramento digital e midiático pressupõe um olhar mais consciente e crítico sobre as tecnologias que utilizamos em nosso cotidiano, a exploração do Comentário da ONU em contextos pedagógicos pode disparar projetos muito ricos, a exemplo do que já acontece com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Tornar as crianças mais conscientes e vigilantes quanto aos seus próprios direitos é também uma forma de fortalecê-los.
Conheça seus direitos no ambiente digital
(Baixe aqui o cartaz produzido para escolas pela 5Rights Foundation)
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Referências:
Baixe o cartaz: em PDF | em JPG (português)
OHCHR | General comment №25 (2021) on children’s rights in relation to the digital environment (inglês)